ORA ET LABORA

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História da vida monástica beneditina na sala capitular de S. Bento de Singeverga da autoria de Claudio Pastro// History of Benedictine monastic life in the Chapter Hall of St. Benedict Singeverga// Geschichte des Benediktiner-monastische Leben in den Kapitelsaal der St. Benedikt von Singeverga

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Visita do Papa à Abadia de Monte Cassino

Destruição de Montecassino








A destruição de Montecassino
No dia 18 de maio terminava a Batalha de Cassino, uma das mais duras e irracionais da Segunda Guerra Mundial. Causou a perda de milhares de vidas humanas e a destruição da abadia de Montecassino, fundada por São Bento. “Um farol da civilização europeia” como a definiu o presidente da Itália Azeglio Ciampi, bombardeada pelos aliados “por um trágico erro, fruto de uma má interpretação”. Eis o que aconteceu
de Roberto Rotondo

Na manhã da primavera de 18 de maio de 1944, os primeiros soldados da infantaria polonesa entram extenuados entre as ruínas da abadia de Montecassino. As dizimadas tropas do general Anders são os primeiros soldados da V armada a chegarem lá em cima, abrindo caminho entre cadáveres em putrefação espalhados por toda a encosta da montanha. Uma das mais duras batalhas da Segunda Guerra Mundial. Do mais antigo mosteiro da cristandade, fundado em 529 d. C. por São Bento e onde repousam seus restos mortais, restam apenas detritos e pedaços de paredes. Foi abatido pelo mais imponente bombardeio da história contra um só edifício no dia 15 de fevereiro, ao qual se seguiram três meses de combates acirrados para expulsar os alemães que se tinham entrincheirado entre as ruínas depois do bombardeio. Mas quando os soldados aliados chegaram a Quota Mosteiro, os poucos pára-quedistas alemães, que resistiam firmemente desde fevereiro, já tinham escapado para evitar de serem cercados pelos gurkha da divisão indiana do general Francis Tuker, que atravessou os montes Aurunci rompendo a frente inimiga, cortando Cassino e abrindo aos aliados o caminho para Roma. Um plano que o próprio Tuker já queria executar em fevereiro, de acordo com o general francês Alphonse Juin, chefe das tropas norte-africanas, para evitar de atacar os alemães frontalmente em Montecassino. Mas a estratégia de ataque pelos flancos franco-indiana, que talvez tivesse poupado milhares de vidas humanas, além das muralhas e dos afrescos renascentistas da abadia, foi descartada pelos outros vértices da “multiétnica” V armada, formada por soldados de 12 nações diferentes, comandada pelo americano general Mark Clark. Este último decidira, mesmo sob pressão de subalternos influentes, como o general neozelandês Bernard Freyberg, que era preciso insistir no ataque frontal da linha Gustav (decidida pelo feldmarechal Kesselring para deter os aliados que se encaminhavam do sul para o norte) justamente no seu ponto central: a cidadezinha de Cassino e a montanha às suas costas, sobre a qual surgia o mosteiro beneditino, e do qual se podia dominar todo o Valle do Liri e o do Rapido. A abadia de Montecassino, que no pós-guerra foi reconstruída exatamente como era, este ano recordou com algumas manifestações os 60 anos do bombardeio e da trágica batalha. As celebrações do dia 15 de março passado contaram com a participação do Presidente da República italiana, Carlo Azeglio Ciampi. O Presidente foi até a abadia e participou dos três minutos de silêncio em memória das vítimas do atentado terrorista de Madri acontecido cinco dias antes, depois participou de uma missa e, na praça de Cassino, fez um discurso dedicado ao sofrimento que se abateu naquelas terras na última Guerra Mundial. Sofrimentos que no pós-guerra apenas o livro e depois o filme La Ciociara “tiveram a coragem de contar”, disse Ciampi. Acrescentando: “Há acontecimentos que representam o mal, que nenhuma filosofia da história consegue amenizar. Na Segunda Guerra Mundial, infelizmente, houve muitos. A destruição de Cassino é um destes”. Além disso, continuou Ciampi, “ninguém jamais poderá perdoar a destruição do maior farol da civilização européia, que era a Abadia de São Bento”. E por duas vezes o chefe de Estado voltou a falar do bombardeio do mosteiro beneditino: “Foi um trágico erro, fruto de uma má informação”. Depois de 60 anos exatos de distância também os Estados Unidos e a Inglaterra admitem que foi um trágico erro. Mas como e por que se chegou ao bombardeio?
Um avião B-17 americano, chamado “fortaleza voadora”, sobre a Abadia em 15 de fevereiro de 1944
O bombardeiro número 666 Reconstruamos os acontecimentos, que possui muitas analogias com as guerras e operações militares dos nossos dias, começando justamente daquele 15 de fevereiro de 1944, quando, às 9 horas e 24 minutos da manhã, a abadia de Montecassino foi abalada por uma tremenda explosão, que interrompeu a oração do pequeno grupo de monges beneditinos no cenóbio, enquanto invocavam a ajuda de Nossa Senhora e recitavam “et pro nobis Christum exora”. Entre eles estava o abade Dom Gregório Diamare, 80 anos, e o seu secretário, Dom Martino Matronola, que mais tarde publicaria um diário indispensável para reco­nstruir aqueles dramáticos dias. Sobre suas cabeças e a de centenas de outros refugiados que se encontravam no mosteiro abateu-se uma chuva de bombas de 250 Kg cada uma, desenganchadas do bombardeiro estratégico número 666, pilotado pelo major Bradford Evans, o qual, com um código tão intrigante, guia a primeira das quatro formações de B-17, as “fortalezas voadoras” norte-americanas, que receberam a ordem de destruir o milenar mosteiro situado no alto na montanha. Depois dos B-17 seguiram outros quatro ataques de bombardeiros médios. Às 13 horas e 33 minutos tudo acabou, os monges estavam todos salvos, mas centenas e centenas de refugiados morreram sob as ruínas provocadas pelas bombas, e será difícil, mesmo depois da guerra, exumar os corpos e dar um nome às lápides. Mudança de cenário. Washington, 16 horas do mesmo dia, na Itália já passaram das 22 horas. Já passaram cerca de 12 horas do início dos bombardeios e o presidente norte-americano Franklin Delano Roosevelt abre uma entrevista coletiva com estas palavras: “Li nos jornais da tarde sobre o bombardeio da Abadia de Montecassino por parte de nossos aviões. Na correspondência foi explicado com muita clareza que o motivo pelo qual foi bombardeada é que os alemães usavam-na para nos bombardear. Era um ponto básico alemão, com artilharia e todo o material necessário”. O presidente norte-americano parece seguro, assim como os jornais anglo-americanos parecem certos do ato cumprido: L’Air Force atinge os nazistas em Montecassino, é a manchete do dia do New York Times. Talvez Roosevelt não sabia que seria clamorosamente desmentido pela história, mas não pode deixar de perceber que há alguma coisa estranha em toda a história. Mesmo para um mundo em guerra há muitos anos, e no qual morte e destruição são coisas do dia a dia. Com efeito, nunca antes os bombardeiros estratégicos tiveram como alvo primário um monumento, além de tudo em zona neutra, uma propriedade da Santa Sé, um mosteiro famoso em todo o mundo cristão, um lugar onde estavam conservados inestimáveis testemunhos históricos e artísticos. Também des­toava o desproporção de forças: 453 toneladas de bombas descarregadas, em oito ataques, por 239 bombardeiros. Uma imensidão. Como os católicos norte-americanos reagiriam, pois poucos meses mais tarde, deveriam votar para reelegê-lo presidente dos Estados Unidos? Enfim “o bombardeio de um único objetivo mais propagandeado na história”, como o definiu o Newsweek, era a abertura dos jornais de quase todo o mundo. Quais seriam as conseqüências políticas, quem venceria a batalha da propaganda? Roosevelt mandou distribuir aos jornalistas também uma circular do comandante supremo das forças armadas aliadas na Europa, Dwight D. Eisenhower, que até então era reservada, na qual era explicado que se no decorrer do avanço das tropas se devesse escolher entre a destruição de um famoso monumento e o sacrifício dos nossos soldados, então a vida dos soldados contariam infinitamente mais”. Mas, explicava Ike, a escolha não era simples. Porque por trás da expressão “necessidade militar” não deviam se esconder nem conveniências pessoais nem relaxamento ou indiferença. Todavia, isso era muito pouco para evitar uma reação negativa da opinião pública na Europa. Uma derrota “midiática” Com efeito, a propaganda nazista estava para explodir, aproveitando da notícia do bombardeio em seu favor. Na Europa em mãos dos nazistas, os anglo-americanos seriam apresentados, nos dias seguintes ao bombardeio, como novos bárbaros que querem cancelar sistematicamente todos os vestígios da “superior civilização européia”. A Abadia de Montecassino, que no passado fora destruída três vezes, primeiro pelos bárbaros, depois pelos sarracenos e mais tarde por um terremoto, agora estava reduzida a pó “pelos judeus e pelos pró-bolcheviques em Moscou, Londres e Washington”. Mas não é tudo, porque o serviço secreto nazista – que segundo os relatórios do embaixador britânico no Vaticano, D’Arcy Osborne, há algum tempo já estava espalhando a notícia de que havia tropas nazistas na abadia, para provocar um bombardeio aliado – leva a melhor também ao eleger os alemães como defensores da civilização: com efeito, foi a divisão Hermann Göring que colocou em salvo no Vaticano, em dezembro de 1943, todas as obras de arte da Abadia transportáveis, junto com a imensa biblioteca e seus inestimáveis códices. Nessa operação de salvamento preventivo contou muito a atenção que o general Frido von Senger, comandante do XVI Panzerkorps, tinha para com os beneditinos e o histórico monumento. Senger, que era católico, ligado há muitos anos à Ordem de São Bento, pertencia àquela pequena aristocracia da Alemanha meridional contrária aos nazistas, mas obedientes às suas ordens. Senger, que comandava toda a linha Gustav, tinha também fundamentalmente respeitado a neutralidade do lugar e não permitira às suas tropas, espalhadas por toda a montanha, de alojar-se dentro da larga cintura de 300 metros que circundava as muralhas da abadia e que delimitava a zona neutra.
A refutação das “provas irrefutáveis” Roosevelt, como Winston Churchill em Londres, depois do bombardeio decidiu defender a boa intenção da decisão dos comandos aliados no Mediterrâneo. Não apenas porque a situação da avançada sobre Roma estava em uma fase muito delicada (as tropas aliadas no vale do Liri estavam bloqueadas enquanto que na zona de Anzio corriam o risco até mesmo de serem jogadas ao mar), mas também porque o general inglês Henry Maitland Wilson, comandante supremo interaliado no Mediterrâneo afirmava possuir provas incontestáveis da presença do inimigo na Abadia antes do bombardeio. Quando, dia 9 de março, o Foreign Office inglês pediria a Wilson para dar uma explicação ao Vaticano, sustentada em fatos, sobre o motivo da destruição do mosteiro, apesar das amplas garantias dadas à Santa Sé sobre o respeito pela Abadia, Wilson confirmaria que possuía doze “provas irrefutáveis” do uso militar do mosteiro por parte dos alemães, mas sugeriu também mantê-las secretas, para impedir que os alemães construíssem depois falsas contraprovas. A promessa foi de que as provas seriam dadas ao Vaticano no devido tempo. Tempo que nunca chegou, tanto que, mesmo depois da guerra, foi preciso investigações e controversos estudos históricos sobre os documentos dos arquivos militares, para concluir que se tratou de um erro. Uma das provas inconfutáveis de Wilson foi apresentada depois da guerra por um dos protagonistas, o capitão David Hunt, ajudante do marechal britânico Harold Alexander, comandante-chefe dos exércitos aliados na Itália. Hunt contou como, pouco depois do início do bombardeio, foi-lhe passada a tradução de uma mensagem interceptada dos nazistas que dizia: “Ist der Abt noch im Kloster?” e a resposta era “Ja”. Abt foi traduzido como abreviação de “divisão militar”, portanto a frase resultava assim: “A divisão está no mosteiro?” “Sim”. Também a Hunt pareceu a confirmação das suas suspeitas, o clássico “estopim” como seria chamado hoje. Mas Abt significa também abade. E, segundo Hunt, foi suficiente continuar a ler o texto da interceptação para entender que os alemães falavam dos monges do mosteiro e não das suas tropas. Todavia, disse Hunt, era tarde demais para deter os aviões que já estavam voando. É possível um erro dessa grandeza? É também preciso levar em conta que os serviços secretos, freqüentemente, vêem e ouvem o que pensam que agrade a quem lhes comanda. E assim foi também neste caso: basta pensar que, depois do início do bombardeio, o tenente Herbert Marks, da contra-espionagem aliada, que observava o mosteiro com um telescópio, mesmo com provas de que não havia alemães, afirmou ter visto uns setenta correrem do portão da abadia para o pátio circundante. E uma mensagem da V armada das 11 horas da manhã, depois do primeiro ataque dos B-17 referia: “duzentos alemães fogem do mosteiro ao longo da estrada”. Uma ordem nunca recebida Mas quem decidiu que Montecassino deveria ser destruída? No livro Montecassino, de David Hapgood e David Richardson (reeditado recentemente pela editora Baldini Castoldi Dalai, na Itália), fruto de longas pesquisas nos arquivos militares, afirma-se que não há provas para demonstrar que a decisão tenha sido tomada em um nível mais alto do general Wilson e do general Alexander. O fato é que a decisão final de bombardear a Abadia nunca foi reivindicada por nenhum escalão hierárquico, desde os líderes aliados, aos estados maiores e descendo até os comandantes de campo de batalha. Apenas um general passou à história como convicto defensor da necessidade de destruir Montecassino: Bernard Freyberg. O comandante do contingente neozelandês, que desde os primeiros dias de fevereiro tomara posição no vale do Liri com os seus homens, era muito famoso na Nova Zelândia, mas mesmo os que admiravam a sua coragem admitiam que ele receava em conceber uma estratégia mais complexa do que a de corrida de touro. Agindo assim, logo teve afinidades com o seu superior, o general Mark Clark, no plano que previa a escalada da montanha de Montecassino, embora, há muitas semanas, este plano preanunciasse somente grandes perdas. Desde os primeiros dias, Freyberg afirmava que por culpa da Abadia as linhas alemães ainda não podiam ser ultrapassadas, pois, na sua opinião, os alemães guiavam a partir dali os tiros da artilharia. Assim chegou-se ao dia 12 de fevereiro, dia em que Freyberg, por “necessidades militares” solicitou com firmeza o bombardeio do mosteiro, ameaçando até mesmo a retirada das suas tropas se não fosse contentado. Clark não era de acordo tanto por motivos políticos como militares, mas estava em situação inferior. Sobre a sua imagem gravava ainda a derrota a que fora submetida a divisão Texas de 20 de janeiro. A sua ordem de atravessar o rio Rapido tinha levado ao inútil sacrifício de quase 2 mil soldados, e a notícia da derrota correu por todo o mundo. Além disso, como escreveu Clark no seu livro de memórias In guerra con Alexander, na escala hierárquica, acima dele havia dois generais ingleses e o próprio Alexander disse-lhe a propósito do bombardeio: “Freyberg é um personagem muito importante no Commonwealth, nós o tratamos com luvas de veludo e vocês devem fazer o mesmo”. Se acrescentarmos o fato de que quase todos os jornais ingleses e americanos tinham encaminhado há muito tempo uma incessante campanha na qual se afirmava que seus soldados estavam pagando com a vida a gentileza dos comandos militares para com a Igreja Católica, e que era “melhor uma vitória no bolso do que um Michelangelo na parede” compreende-se porque Clark rendeu-se e deu carta branca para a decolagem dos bombardeiros. Não sem ter preventivamente lançado folhetos sobre o mosteiro para avisar os habitantes que as armas estavam apontadas para eles. Para os refugiados foi o aviso de condenação à morte, tanto porque ninguém quis acreditar que se chegasse a tanto, como porque não tiveram nenhuma possibilidade de fuga, pois estavam circundados, por muitos quilômetros, por dois exércitos em batalha.
O filho de Freyberg salvo pelas irmãs Por um daqueles imponderáveis paradoxos que a história da Igreja sabe doar, justamente Freyberg, que quis a todo custo destruir um dos monumentos mais significativos do cristianismo, naqueles dias teve seu filho salvo graças à hospitalidade que encontrou em um convento de irmãs de Castel Gandolfo, que esconderam este jovem tenente de infantaria depois de ter conseguido fugir dos alemães, que tinham-no capturado em Anzio. Também Castel Gandolfo era uma das propriedades da Igreja que, embora em zona neutra, foram bombardeadas naqueles meses pelo mesmo motivo utilizado para justificar a destruição da Abadia de Montecassino: “necessidade militar”. Mas talvez nem mesmo o destino do filho teria feito com que o general Bernard Freyberg mudasse de idéia, visto que não renunciou ao bombardeio nem mesmo quando um dia antes da decolagem dos aviões deu-se conta de que era inútil do ponto de vista militar, porque os seus homens, convictos das posições alemães, estavam muito longe do objetivo e não poderiam nunca ocupar as ruínas da abadia antes do inimigo. O comando da Air Force recusou-se a adiar o bombardeio, porque a partir de 16 de fevereiro os aviões deveriam operar na zona de Anzio. Então Freyberg decidiu atacar direto e as conseqüências estão nos livros de história, além dos muitos cemitérios de guerra que foram criados naquela região depois do ataque. Freyberg teve muitos mais bombardeiros do que solicitara, porque a aviação americana aproveitou a ocasião para esclarecer uma velha questão: se fosse mais eficaz o bombardeio diurno, como afirmavam eles, ou o noturno como insistiam os ingleses. Os alemães, como também o comandante neozelandês previra, ocuparam primeiro as ruínas e a batalha no vale e na montanha foi feroz. A cidade de Cassino nas semanas seguintes foi bombardeada ao ponto de os tanques de guerra americanos não poderem prosseguir na avançada devido às crateras escavadas pelas bombas de seus próprios aviões e suas artilharias. Houve um desperdício de recursos econômicos infinito. Uma colina chegou a ser rebatizada de “One-million hill”, porque foi calculado pelos artilheiros que matar cada soldado inimigo custara 25 mil dólares em projéteis. “Teria sido bem mais simples, se aquele valor”, escreveu com amargura o famoso correspondente de guerra Ernie Pyle, “tivesse sido oferecido aos alemães para irem embora”.
O Presidente italiano, Carlo Azeglio Ciampi, e sua esposa, Franca, visitando a Abadia de Montecassino acompanhados pelo abade Dom Bernardo D’Onorio, dia 15 de março de 2004









A Abadia depois da reconstrução.
(FONTE: 30giorni.it)

S. Paulo fora de muros

terça-feira, 26 de maio de 2009

S. Bento e o trabalho



"A forma como S. Bento vê o trabalho está patente na seguinte expressão: «Para que Deus seja glorificado em tudo.» Este 'slogan' está no capítulo 57, 9: 'Dos artesãos do mosteiro', da Regra de Bento. Na representação dos preços dos produtos manufacturados do mosteiro não se deve intrometer a cobiça. Devem ser vendidos um pouco mais baratos «para que Deus seja glorificado em tudo = Ut in omnibus glorificetur Deus». As iniciais u. i. o. g. D. estão em todas as obras beneditinas, no início dos livros e cartas, em edifícios e pórticos. Tudo o que é realizado é para louvor de Deus. No trabalho o homem toma parte na obra criadora de Deus. Aí ele pode trazer à luz a beleza que ilumina a criação de Deus nas suas obras de arte ou no seu artesanato. Em tudo o que é realizado, Deus, o verdadeiro criador de todas as coisas, é glorificado." (D. Anselm Grün, osb)

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Igreja! Que dizes de ti mesma?

Esta questão foi colocada pelo II Concílio do Vaticano e manterá sempre a sua actualidade enquanto os cristãos olharem à sua volta, a partir de si.
Muitas comunidades cristãs estão a passar por sérias dificuldades de adaptação aos novos desafios que as sociedades actuais colocam. São vários os factores que contribuem para o distânciamento dessas comunidades em relação aos jovens, aos pobres, aos desempregados etc. O factor mais visivel e que tem lançado o descrédito sobre toda a Igreja é o anúncio próprio, ou seja, o querer colocar-se no lugar que só Deus pode ocupar. De facto, se olharmos para nós: Igreja (falo para dentro), veremos que muitas vezes nos queremos anunciar a nós próprios, propondo-nos, aliás, como salvadores que possuem todas as soluções para tudo e mais qualquer coisa; alguns não exitam em dizer: "se há algo de errado a culpa não é nossa... os jovens é que já não querem saber da Igreja para nada, para eles só existem os deuses da bola, da música, dos filmes [etc.] e os novos locais de culto são os shoping's, estádios...". Isto é o que eu ouço muitas vezes; mas, sinceramente, esta desculpa não me convence. É certo que muitos tendem a colocar num pedestal as suas próprias ilusões, mas, ainda assim, não penso que o seu afastamento da Igreja se deve, exclusivamente, à sua falta de experiência de vida ou à sua falta de vontade. As comunidades cristãs têm que se interrogar sobre a sua responsabilidade nesta matéria.
Não admira que muitos nos ataquem (a nós cristãos)! (alguns exageradamente - podemos dize-lo, pois também é verdade - porém tudo seria diferente se não fossemos nós a deitar lenha na fogueira onde nós próprios acabamos por nos queimar). A Igreja não vive para se anunciar a si própria - por isso não interessa dizer que se tem 80% ou 90% de Católicos, quando se sabe que a verdade é bem diversa - ela vive para anunciar o Amor de Deus, e aí, minhas amigas e meus amigos, não interessa o número, pois basta a uma àrvore ter dois ou três ramos para que não seja uma mera estaca.
O protagonismo faz mal a muitas pessoas; a sede de poder mina todo o espírito fraterno que deve reinar numa comunidade cristã, transformando-se - não poucas vezes - em sede de vingança e ódio dentro das comunidades. Quando se verifica pouca relação sincera com Deus e com o outro, notam-se índices acentuados de desconfiança e de repulsa a tudo o que vem do exterior, a tudo o que soa a novidade...
Serão verdadeiramente as novas formas de ateísmo ou paganismo as únicas responsáveis pelo afastamento dos cristãos em relação às suas comunidades de origem e em relação ao magistério da Igreja? Eu diria que pesam relativamente pouco, face à falta de testemunho e falsa vivência que muitos de nós - cristãos - transmitimos.
Não tenhamos ilusões: a Fé não se transmite: nem à pancada, nem com belos discursos, nem com roupagem velha camuflada de novo, nem sequer com as pseudo novidades light; A Fé é Dom de Deus que se testemunha com a própria vida.
Perdem tempo aqueles que se acham directores das consciências alheias e que tentam impingir um "producto" que eles próprios não sabem o que é, pois não o possuem de todo.

terça-feira, 12 de maio de 2009

Trabalhar em silêncio.


«O abba [Pai em grego - sign. monge ansião de conduta venerável] Isaías disse:

Quando eu era mais jovem residia com o abba Cronios. Nunca me pediu que lhe fizesse um trabalho, apesar da sua idade avançada e da sua débil saúde; levantava-se e logo me servia, a mim e a todos. Depois morei com o abba Teodoro de Fermé, e tão pouco ele me disse alguma vez que fizesse algo; senão que ele próprio tinha o hábito de pôr a mesa e me dizia: "irmão, se queres, vem comer". Um dia respondi-lhe: "Abba, vim ter contigo para te ser útil; porquê nunca me mandas fazer algo?" mas o ancião não respondeu absolutamente nada. Então, eu fui informar os outros ansiãos do que se passava. Estes vieram ter com ele e disseram-lhe: "Abba, o irmão veio, de livre vontade, ter contigo para te ser útil; porque é que nunca lhe dizes que faça alguma coisa?" E o ansião disse-lhes: "sou eu, por acaso, um superior para poder dar-lhe ordens? Pelo que depender de mim, não lhe direi nada; mas se o deseja, ele fará por si mesmo o que deve fazer". A partir desse momento tomei a iniciativa de fazer o que o ansião se dispunha a fazer. Quanto a ele, o que fazia, realizava-o em silêncio; assim me ensinou a trabalhar.»


(Das Sentenças dos Padres do deserto)




Este texto dos inícios da era cristã ensina-nos que muitas vezes, para fazer algo, não precisamos que outros nos digam o que fazer; nem tão pouco precisamos de perguntar, basta estarmos com atenção ao que os outros fazem, para aprendermos a fazê-lo também. Um provérbio bem conhecido diz: a palavra move e o exemplo arrasta. O silêncio reveste-se de uma importância vital. No silêncio apercebemo-nos melhor do que se passa à nossa volta, estamos muito mais sensíveis para saber "escutar" com os outros sentidos, para saber ler a realidade de modo mais verdadeiro. Isto é importante, pois um dos grandes males que nos pode acontecer é vegetar em meros idealismos, formulando bonitas palavras mas que não estão revestidas de vida. S. Bento, um homem que liga a espiritualidade à terra (à nossa realidade, sem utopias), alerta-nos para este perigo. Necessitamos do silêncio, pois através dele vamos ao encontro do nosso eu para nos conhecermos melhor; e assim conheceremos melhor os outros.


Quem está em contacto permanente com o ruido (seja ele de qualquer natureza) vai cair na conta, mais tarde ou mais cedo, que houve coisas importantes na vida (tais como a relação familiar, amigos etc.) que lhe passaram ao lado, simplesmente porque não soube "escutar" com o ouvido interior.


O trabalho é uma dimensão tipicamente humana; sobre todos nós recai a necessidade de prover à nossa própria subsistência. Contudo, o trabalho não se resume totalmente a isso. Como seres humanos que somos, podemos elevar o trabalho a uma categoria superior: o trabalho pode ser visto como liberdade ou emancipação no contexto social, como serviço aos outros, como forma de participação na obra criadora de Deus... deste modo o trabalho é visto de forma positiva. Mas pode acontecer o contrário: eu posso ver o trabalho como uma forma de opressão, príncipalmente se a remuneração não é justa. Também pode acontecer que eu esteja tão absorvido pelo trabalho que me torno um autêntico escravo; passo a dormir mal e a não pensar em mais nada a não ser no que tenho para fazer no dia seguinte. Nesta situação eu vejo o trabalho como se de uma maldição se tratasse. É aqui que a atitude do silêncio ganha a sua importância. Mas não é um silêncio qualquer, é muito mais do que a mera ausência de palavras ou de ruido. É um silêncio que nos deve põr em diálogo conosco próprios.Para os crentes é uma boa oportunidade para Dialogar com Deus [o mais interior da nossa própria interioridade] - discutir com Ele -e deixar que Ele complete o esforço que empenhámos na realização do nosso trabalho, pois Ele reconhece o nosso esforço, mesmo que o resultado final não tenha sido o mais ideal. Para os não crentes o silêncio permite-lhes reconhecer que o seu trabalho é uma forma de mudar o mundo, mudando-os a eles em primeiro lugar. Veremos que com o silêncio o trabalho nos corre melhor, e mais importante do que isso, aperceber-nos-emos que no nosso trabalho vemos sempre a nossa vida em comunhão com os nossos semelhantes.

Quem trabalha só para si, pensando somente no lucro e na satisfação meramente individual torna-se escravo do seu próprio ego, esquecendo-se que o homem se distingue principalmente em duas coisas em relação aos outros animais: na liberdade e no "tu a tu" com Deus.


Para que Deus seja glorificado em tudo. (Regra de S. Bento 57, 9)

quinta-feira, 7 de maio de 2009

A alegria dos Padres


Nos dias que correm há uma tendência muito generalizada de fazer com que determinadas informações e certas correntes de pensamento se queiram apresentar de tal maneira absolutas e inquestionáveis que passam como que a constituir um autêntico perigo para a liberdade de manifestação da consciência e do pensamento de cada qual. No estilo de autênticas ditaduras, estas correntes aprisionam e negam a realidade mais sagrada no ser humano: a sua consciência, o direito a ser tratado/a como pessoa, que, essencialmente e realmente, cada um de nós é.

Contra a tendência de toda a repressão da consciência humana, por parte de certas doutrinas (algumas dentro do próprio contexto sociológico dito: cristão), já se debatiam os Padres da Igreja (ou seja aqueles Cristãos dos primeiros séculos que testemunharam e viveram heroicamente O Evangelho), a partir do que lhes fora transmitido pelos próprios Apóstolos [ou seus discípulos] acerca de Jesus, pois aperceberam-se bastante cedo que cada ser humano é tocado [se quiser] pela graça divina através da acção do Espírito Santo e que, portanto, não havia lugar para imposições de ideias; a única forma de anunciar a Verdade era (e ainda é) vive-la. É, na verdade, a partir dos Padres da Igreja que o Cristianismo passa a ser conhecido no Ocidente, depois do martírio de quase todos os Apóstolos. Não foi fácil para os Padres dar testemunho da ressurreição de Cristo - realidade totalmente inconcebível para a mentalidade grega que vigorava no contexto do Império Romano. Mas no meio das adversidades, os Padres aperceberam-se que a riqueza que tinham recebido ao tornarem-se Cristãos passava os limites do imaginável, e que não podiam guardar para si a Boa Notícia que lhes fora anunciada: Deus, O Criador, não abandonou o Seu povo (a Humanidade) e a prova era que Ele próprio tinha assumido a natureza humana (ou seja, a nossa fraqueza e os nossos limites, mas também as nossas alegrias e as nossas manifestações culturais). Isto ficou claro para os primeiros Padres; significava que agora todos os horrores, todos os ódios e sofrimentos humanos não constituiriam a última palavra, pois Deus acabara de dizer, por meio da Cruz, que nada acaba ali; não é numa cruz ou num sepulcro que o Cristão deve deter o seu olhar, senão na Ressurreição de Cristo. A verdade, no entanto, é muito mais profunda: Deus, com todos estes sinais, quis que percebessemos, de uma vez por todas, que estamos "destinados" à plena comunhão com Ele. Ora, isto sim: é a revelação mais radical - ou se quisermos - mais revolucionária que alguma vez surgiu na História da Humanidade. E Dizer que Deus é o mais íntimo da minha interioridade, como afirma S. Agostinho, é afirmar a verdade no seu estado mais puro.

Esquecer a riqueza que os Padres da Igreja têm para oferecer ainda hoje é esquecer, de certo modo, a mensagem e a Verdade fundamental que Jesus veio trazer.

A vida monástica, à qual estiveram vinculados muitos destes Padres, tenta ser a continuação da alegria da primeira hora em que Jesus ressuscitou e se manifestou aos discípulos. Para os monges, como para os outros Cristãos, nada haveria de ser mais caro neste mundo que a sua vida centrada em Deus, pois só assim é possivel vivermos a verdadeira PAZ, construindo a Cidade de Deus no agora da nossa existência.




UT IN OMNIBUS GLORIFICETUR DEUS

(para que em tudo Deus seja glorificado)

S. Bento - Pai dos monges do Ocidente