ORA ET LABORA

ORA ET LABORA
História da vida monástica beneditina na sala capitular de S. Bento de Singeverga da autoria de Claudio Pastro// History of Benedictine monastic life in the Chapter Hall of St. Benedict Singeverga// Geschichte des Benediktiner-monastische Leben in den Kapitelsaal der St. Benedikt von Singeverga

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

O Abade


O Abade digno de presidir ao mosteiro, deve lembrar-se sempre daquilo que é chamado, e corresponder pelas acções ao nome de superior. Com efeito, crê-se que, no mosteiro ele faz as vezes do Cristo, pois é chamado pelo mesmo cognome que Este, no dizer do Apóstolo: "Recebestes o espírito de adopção de filhos, no qual clamamos: ABBA, Pai. " Por isso o Abade nada deve ensinar, determinar ou ordenar, que seja contrário ao preceito do Senhor, mas que a sua ordem e ensinamento, como o fermento da divina justiça se espalhe na mente dos discípulos; lembre-se sempre o abade de que da sua doutrina e da obediência dos discípulos, de ambas essas coisas, será feita apreciação no tremendo juízo de Deus.

...Quando alguém recebe o nome de Abade, deve presidir a seus discípulos usando de uma dupla doutrina, isto é, apresente as coisas boas e santas, mais por acções do que por palavras, de modo que aos discípulos capazes de entendê-las proponha os mandamentos do Senhor por meio de palavras, e aos duros de coração e aos mais simples mostre os preceitos divinos pelas próprias acções. Assim, tudo quanto ensinar aos discípulos como sendo nocivo, indique pela sua maneira de agir que não se deve praticar, a fim de que. pregando aos outros, não se torne ele próprio réprobo, e Deus não lhe diga um dia como a um pecador: "Por que narras as minhas leis e anuncias o meu testamento pela tua boca? tu que odiaste a disciplina e atiraste para trás de ti as minhas palavras", e ainda: "Vias o argueiro no olho de teu irmão e não viste a trave no teu próprio".

Antes de tudo, que não trate com mais solicitude das coisas transitórias, terrenas e caducas, negligenciando ou tendo em pouco a salvação das almas que lhe foram confiadas, mas pense sempre que recebeu almas a dirigir, das quais deverá também prestar contas. E para que não venha, porventura, a alegar falta de recursos, lembrar-se-á do que esta escrito: "Buscai primeiro o reino de Deus e a sua justiça, e todas as coisas vos serão dadas por acréscimo"; e ainda: "Nada falta aos que O temem". E saiba que quem recebeu almas a dirigir, deve preparar-se para prestar contas. Saiba como certo que de todo o número de irmãos que tiver sob seu cuidado, no dia do juízo, deverá prestar contas ao Senhor das almas de todos eles, e mais, sem dúvida também da sua própria alma. E assim, temendo sempre a futura apreciação do pastor acerca das ovelhas que lhe foram confiadas enquanto cuida das contas alheias, torna-se solícito para com a suas próprias, e enquanto com suas exortações subministra a emenda aos outros, consegue ele próprio emendar-se de seu vícios.

(Cf. Regra de S. Bento, cap. II)


Para S. Bento a vida monástica cenobítica assenta em três pilares fundamentais: Comunidade, Regra e Abade. A Regra é o código que possibilita a vivência harmoniosa da comunidade monástica, onde tudo tem uma certa ordem; O Abade nasce da fraternidade para testemunhar, em primeiro lugar, o amor de Deus, e praticá-lo zelando por todos os irmãos que compõem a comunidade. A Comunidade é o lugar onde Deus estabelece a sua morada.

Em seguida apresento um comentário que um monge de Cluny do séc. IX escreveu a propósito do capítulo II da Regra de S. Bento.


"No Abade devemo-nos aperceber da sua misericórdia, da amizade, da piedade e da modéstia. É preciso que ele seja benevolente para com os monges doentes, que socorra os faltosos, afável com os seus irmãos, consolador dos aflitos, conforto dos trabalhadores, que ajude os bem intencionados, encoraje os zelosos, reanime os cansados, apoie os que hesitam e eleve os que sucumbiram. Amará todos os seus irmãos do mesmo modo, não perseguirá nenhum com a sua raiva, nem ignorará zelo nenhum. Calmo e sem agitação, sem obstinação no seu julgamento ou nos seus conselhos; mostrará a todos uma face radiosa e um carácter alegre, discreto e prático. Quando encontrar algum motivo de descontentamento em algum dos seus irmãos evitará medidas prematuras e tirânicas, mas tentará corrigi-lo com a ajuda do seu espírito misericordioso, em vez de o desencorajar numa perpétua desconfiança ou numa contínua repressão." (Cf. Guy de Valous - Le monachisme clunisien)