ORA ET LABORA

ORA ET LABORA
História da vida monástica beneditina na sala capitular de S. Bento de Singeverga da autoria de Claudio Pastro// History of Benedictine monastic life in the Chapter Hall of St. Benedict Singeverga// Geschichte des Benediktiner-monastische Leben in den Kapitelsaal der St. Benedikt von Singeverga

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Pão da Vida...


PAX

«... o pão de Deus é aquele que desce do Céu e dá a vida ao mundo.» Disseram-lhe então: «Senhor, dá-nos sempre desse pão!» Respondeu-lhes Jesus:
«Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim não mais terá fome e quem crê em mim jamais terá sede. Mas já vo-lo disse: vós vistes-me e não credes. Todos os que o Pai me dá virão a mim; e quem vier a mim Eu não o rejeitarei, porque desci do Céu não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou. E a vontade daquele que me enviou é esta: que Eu não perca nenhum daqueles que Ele me deu, mas o ressuscite no último dia. Esta é, pois, a vontade do meu Pai: que todo aquele que vê o Filho e nele crê tenha a vida eterna; e Eu o ressuscitarei no último dia.»
Os judeus puseram-se, então, a murmurar contra Ele por ter dito: 'Eu sou o pão que desceu do Céu'; e diziam: «Não é Ele Jesus, o filho de José, de quem nós conhecemos o pai e a mãe? Como se atreve a dizer agora: 'Eu desci do Céu'?»
Jesus disse-lhes, em resposta: «Não murmureis entre vós. Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou o não atrair; e Eu hei-de ressuscitá-lo no último dia. Está escrito nos profetas: E todos serão ensinados por Deus. Todo aquele que escutou o ensinamento que vem do Pai e o entendeu vem a mim. Não é que alguém tenha visto o Pai, a não ser aquele que tem a sua origem em Deus: esse é que viu o Pai. Em verdade, em verdade vos digo: aquele que crê tem a vida eterna. Eu sou o pão da vida. Os vossos pais comeram o maná no deserto, mas morreram. Este é o pão que desce do Céu; se alguém comer dele, não morrerá. Eu sou o pão vivo, o que desceu do Céu: se alguém comer deste pão, viverá eternamente; e o pão que Eu hei-de dar é a minha carne, pela vida do mundo.»
Então, os judeus, exaltados, puseram-se a discutir entre si, dizendo: «Como pode Ele dar-nos a sua carne a comer?!» Disse-lhes Jesus: «Em verdade, em verdade vos digo: se não comerdes mesmo a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós..»
Jo 6, 33-53


O grande problema que este discurso provoca é o da fé. Jesus pede-nos duas coisas bastante difíceis: a primeira, crer que ele desceu do céu; a segunda, crer que podemos comer o seu corpo e beber o seu sangue. A reacção normal, humanamente falando, é recusar as duas coisas. O assombroso é que alguém aceite o que se diz. Aí está o mistério: por que há gente que crê em Jesus?!
A "resposta" de Jesus tem duas partes. Na primeira, quem actua é Deus: "ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou o não atrair". Na segunda, o homem colabora: "todo aquele que escutou o ensinamento que vem do Pai e o entendeu vem a mim". Ou seja, que para ter fé fazem falta duas coisas: que Deus nos atraia e que nós escutemos Deus. Mas a iniciativa é sempre de Deus, sempre foi: recordemos a vocação de Abraão, de Moisés e de todos os Patriarcas. Recordemos, também, que não foram os discípulos que escolheram Jesus, senão o contrário. Contudo, todos nós podemos ter acesso à Palavra que Deus envia constantemente aos homens e mulheres do nosso tempo a fim de regressar ao Seu convívio, eternamente. Escutando Jesus ou perscrutando honestamente o seu coração, o homem dá-se conta de que não pode Viver sem Deus.

UIOGD

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Inter aeternas superum coronas...

Monaquismo: caminho para unir os povos da Europa?


Por Paolo Tanduo


MILÃO, terça-feira, 20 de abril de 2010


Em 18 de Março passado foi realizado em Milão um encontro com o vice-director do TG5 Andrea Pamparana, organizado pelo Centro Cultural Católico São Bento e pelo Comité Soci Coop Baggio. Partindo da trilogia Bento – Bernardo – Abelardo do monaquismo, discutimos o tema “O monaquismo: caminho para unir os povos da Europa?”.

Hoje, mais do que nunca, precisamos de monges, de verdadeiros beneditinos, de verdadeiros cistercienses e, porque não, de autênticos cartuxos, ainda que estes pareçam um tanto anacrónicos por não se ocuparem directamente de assuntos sociais. Assim, Andrea Pamparana deu início à sua conferência. São Bento desempenhou um papel fundamental na história do Ocidente e da Europa. Não foi apenas um gigante da fé, o fundador do monaquismo ocidental, mas também o precursor de um colossal projecto cultural. Sob a sua liderança, milhares de monges espalhados por toda a Europa salvaram a economia e os livros, o saber dos antigos, a filosofia de Platão e Aristóteles. Estes preservaram os elementos fundamentais da civilização greco-romana. Por tais homens letrados é que se transfundiram no rio da cultura antiga as novas forças representadas pela compreensão bíblico-cristã da essência humana. Os monges recolheram aquela herança, enriquecendo-a e divulgando-a. Esta fusão entre Jerusalém, Atenas e Roma foi o acto constitutivo do que hoje chamamos de Europa.

Hoje há uma renovada sede de Deus e de autenticidade. Peço aos meus amigos da Igreja, disse Pamparana, que me falem de Deus, porque Deus é um mistério. Há tantas pessoas que se questionam sobre a morte, sobre a vida e sobre Deus. Pamparana lembrou alguns episódios de sua vida ligados à figura de João Paulo II, de como este representou, com seu testemunho particular no momento de sofrimento decorrente de sua doença, algo de extraordinário que ficará na história, não apenas dos cristãos.

Assim como João Paulo II, também Bento, Bernardo e Abelardo representam algo que vale não apenas para os cristãos ou para aqueles que crêem em Deus, mas para o homem, para a pessoa, para a colectividade; são património de todos nós. O artigo 1º da regra beneditina é “Escuta, ó filho, as Palavras do Mestre”. Esta regra é fundamental numa sociedade como a nossa, onde, cada vez mais, a palavra “escutar” perde significado. A postura de Bento está profundamente ligada à concepção que tinha de sua própria missão. São Bento não pensava: “Agora salvarei o mundo de uma era de ferocidade sem precedentes”.

Os monges beneditinos implementaram as reformas de todo o sistema agrário, recuperaram áreas de cultivo degradadas, reconstituíram a economia europeia; a sua contribuição foi decisiva nos mais diversos campos. Basta lembrar que foi um monge quem desenvolveu a notação musical baseada no pentagrama, num mosteiro de Pomposa. Estas actividades tinham como única finalidade a salvação da humanidade.

São Bento buscava tão somente servir a Deus, conforme lembrou Bento XVI em seu discurso no Colégio dos Bernardinos em Paris em 2008: “na busca por Deus, tornam-se importantes as ciências seculares, que nos indicam um caminho através da linguagem. Pois a busca por Deus exigia a cultura da palavra, é parte integrante de todo mosteiro a biblioteca, que indica os caminhos por meio das palavras. Desta exigência intrínseca de se falar com Deus e de cantá-lo com as palavras por Ele doadas é que nasceu a música ocidental”.

Bento explica a seus monges que é com Jesus que a história muda. O conceito que temos de democracia nasceu em Atenas, mas a democracia ateniense não era para todos, não era de massa e sim para poucos, pois, no mundo antigo, havia os homens, que não trabalhavam, e havia os escravos. Jesus é novidade pela qual os homens passam a ser todos iguais. Será São Bento o responsável por levar esta ideia adiante. Ele nos mostra hoje que o homem, para estar de pé, necessita de duas dimensões: ora et labora, contemplação e acção. É com a sua Regra que se expande o sentimento e o desejo de servir a Deus, que passa a ser então a ligação fundamental entre a cultura ocidental e a redescoberta da cultura grega. Bento, escreve Pamparana no seu livro, indicava a seus discípulos as duas estradas do monaquismo: a primeira estrada diz respeito ao interior do homem, pois ser monge exige que congregue todas as forças e faculdades numa atenção e numa obediência exclusivas a Deus; a outra, é ser monge para o próximo.

São Bernardo quis que o monge, até então isolado na clausura, se pusesse a pregar; poucas pessoas percorreram tantos quilómetros como ele. Os Papas sempre necessitaram de Bernardo para resolver também problemas de natureza política – suas cartas são obras-primas de estratégia política. Quando Bernardo chega a Roma, o Papa Inocêncio, que era um monge, levanta-se para ir ao seu encontro, e chega a esboçar a intenção de inclinar-se; os cardeais presentes ficaram chocados; como poderia ser possível? o Papa ia ao encontro de Bernardo, e não o contrário.

Vem-me à mente a imagem de João Paulo II que, ao se tornar Papa, recebe os cardeais para as saudações, e quando chega a vez do cardeal Wyszyński, o impede de se ajoelhar, por considerá-lo como um pai, a quem deveria prestar homenagem. O mesmo ocorreu no encontro do Papa Inocêncio com Bernardo. Bernardo era um gigante, poderia ter sido Papa, rei ou imperador, disse Pamparana. Era de tal modo estimado que o rei da França o chamou para administrar as suas terras.

Bernardo chega a Milão vindo da Alemanha, onde esteve para repreender duramente um monge que havia acusado os judeus de deicídio, desencadeando assim um verdadeiro massacre. Bernardo considerava os judeus como irmãos mais velhos, e, por isso gozava de grande estima entre eles. Em Milão, a sua popularidade leva o povo a pedir que seja nomeado cardeal-arcebispo. Mas Bernardo não se interessa, desejando apenas voltar o mais rápido possível ao seu mosteiro para junto dos seus irmãos monges.

Os seus sermões importantíssimos, em particular os comentários do Cântico dos Cânticos, foram registados por seus monges, bem como as suas numerosas epístolas, cujo método de catalogação é ainda hoje estudado. Os milaneses presentearam Bernardo com um candelabro, uma obra-prima em ouro maciço ainda hoje conservada no Domo de Milão, na tentativa de convencê-lo; mas ele recusou. Sim, a clausura e a estrada: nenhum outro título seria mais adequado para descrever a história de São Bernardo. Uma história na qual o mistério da vida na clausura não conduz a um afastamento das angústias da existência, mas, ao contrário, nelas nos mergulha.

Por ocasião da morte de Gerardo, o seu irmão mais próximo, os outros monges o vêem a chorar e se perguntam: como aquele que sempre nos ensinou que a morte é a libertação que nos permite ir ao encontro de Deus pode agora chorar? E Bernardo responde de maneira genial; é um homem e chora pela morte de seu amigo, mas precisa resolver o problema educativo na sua relação com seus monges, e diz: “choro de alegria e de inveja deste que finalmente está junto de Nosso Pai”. Bernardo esconde uma coisa que é maravilhosa: a fraqueza dos homens.

Em Bernardo emerge a vivacidade inteligente e actuante da cultura religiosa medieval. Uma cultura na qual fé e vida se entrelaçam, na qual o santo era um homem mais capaz de humanidade, mais agudo ao olhar para o mundo e para os problemas da sociedade.

O movimento beneditino cresce e se torna importantíssimo também no plano económico e político, como acontece na abadia de Cluny. Os beneditinos tornam-se poderosos. Esta riqueza incomoda os jovens que buscavam viver a essência da regra beneditina. Nasce a reforma Cistercense. Bernardo se une a eles, e é redigida a carta da caridade, primeiro exemplo de carta constitucional de unidade da Europa.

Constitui-se uma vasta rede de mosteiros, e os monges já não eram franceses, alemães ou espanhóis: eram apenas monges. Mas como se comunicavam? Simples: havia o latim. Bernardo, com seus confrades, começa a construir mosteiros por toda a Europa. Também os cistercenses começam a acumular grandes riquezas – com o risco de perder de vista a essência da mensagem cristã, que coloca a pessoa no centro de tudo.

Neste período, os movimentos beneditino e cistercense encontram o movimento franciscano, que convoca novamente à pobreza e à proximidade dos mais pobres. Nascem, no movimento monástico, os Bancos do Santo Espírito e os Monti di Pietà (instituições financeiras sem fins lucrativos, voltadas ao crédito agrícola e aquilo que hoje apelidamos de microcrédito), com a possibilidade de apoiar os necessitados e dar aos pequenos empreendedores o que lhes fosse necessário: nasce assim a economia moderna.

Hoje, a nossa cultura tenta renegar as suas origens, com consequências devastadoras. A nossa cultura tem raízes profundas nas ideias de igualdade entre todos os homens, de igualdade entre homens e mulheres, do trabalho como algo que enobrece o homem, de liberdade. Pamaprana ilustrou essa verdade com um episódio do Evangelho: certa vez, um grupo de homens condenou à morte uma mulher adúltera; se fosse o contrário, o homem adúltero não seria condenado. Mas chega Jesus e diz: “que atire a primeira pedra aquele que não tiver pecado”.

Jesus restabelece a igualdade entre todos os homens e também entre o homem e a mulher. Ensina-nos a amar o nosso próximo. Tais elementos não estão presentes em outras culturas; são próprios da nossa.

O carisma de Bernardo era tal que, conta-se, as esposas trancavam os maridos dentro de suas casas quando este passava, para evitar que eles o seguissem.

A nossa cultura conta, seguramente, também com Abelardo entre seus principais protagonistas. Este dizia a seus jovens: “para que possam crer, devem compreender, devem conhecer, devem saber”. Com Abelardo, muda-se definitivamente a história da educação, muda a concepção do estudo, nasce a universidade tal qual a conhecemos hoje. A influência de Abelardo foi imensa.

O final do século XII – erroneamente definido como uma época obscura, mas que na verdade viu brilhar uma formidável luz – deve a ele o gosto pelo rigor técnico e uma capacidade extraordinária de explicar e se fazer entender. Milhares de jovens de toda Europa deixaram suas casas para chegar, após viagens longas e perigosas, às escolas da França onde o mestre ensinava. Como escreveu o grande filósofo francês Etienne Gilson: “Abelardo estabeleceu um padrão intelectual abaixo do qual não se aceitará nunca mais descer”. Espírito lúcido e coração generoso, homem e professor dominado pela paixão. Amou e foi amado por uma mulher, Heloísa, cujo destino mais tarde foi ser intelectual e depois abadessa, estando entrelaçado até o fim à vida de seu antigo professor, depois esposo e mais tarde irmão na Igreja. Abelardo tornou-se monge após a sua história de paixão com Heloísa.

O encontro com outro grande homem de seu tempo, Bernardo de Claraval, alimentou séculos de lendas e boatos. Eram dois gigantes, que se enfrentaram, e Bernardo venceu o mestre Palatino, mas representavam duas faces de uma mesma moeda reluzente de sagacidade e santidade. Abelardo tinha razão ao dizer que para crer é preciso antes compreender. Abelardo e Bernardo possibilitaram à cultura europeia dar um enorme salto.



Fonte: ZENIT.org